Acylino Bellisoni foi entrevistado por Thiago Magnani em 08/07/2005 para contar sua história em Santo André e suas atividades voltadas para o desenvolvimento da cultura em Santo André. Foi professor da rede pública estadual e secretário de cultura, esporte e lazer da Prefeitura de santo André nos anos 2000. |
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Depoimento de ACYLINO BELISOMI, 75 anos.
IMES – Universidade Municipal de São Caetano do Sul, 08 de junho de 2005.
Entrevistadores: Priscila F. Perazzo, Vilma Lemos e Tiago Magnani.
Pergunta:
Por favor, comece falando a data e o local de seu nascimento e conte um pouco de como foi a sua infância, o que o senhor tiver na lembrança e quiser recuperar.
Resposta:
Nasci em 26 de fevereiro de 1930, em São Paulo, Capital, registrado no Cartório da Sé. Enfatizo porque sou efetivamente, realmente paulistano e gosto muito de falar isso. Quando nasci meus pais estavam na casa dos meus avós, na Rua Conde de Sarzedas, no Centro, perto da Praça da Sé, e na época os nascimentos eram feitos por parteiras e acho que havia uma parteira, que teve a felicidade de me ajudar no nascimento, e ela já havia vislumbrado a necessidade, a possibilidade de ter um pequeno ambulatório, um mini-hospital, e ela fazia os partos na casa dela e não na casa das pessoas. De modo que com isso eu fui nascer na Rua Santo Antônio, no Bexiga. Não sei bem em que altura, mas é por ali. Eu nasci em São Paulo, com residência na Rua Conde de Sarzedas e com parto na Rua Santo Antônio. É o Bexiga, um dos lugares mais botequeiros de São Paulo.
Pergunta:
O senhor é de uma família com quantos irmãos?
Resposta:
Eu tenho três irmãs. Até os 8 anos, fiquei sozinho, porque minha primeira irmã nasceu quando eu tinha 8 anos e aí nasceram três.
Pergunta:
Qual era a ocupação do seu pai e da sua mãe?
Resposta:
Minha mãe era florista de táxi. O que é isso? Era muito comum, quase que geral, as pessoas, principalmente as que moravam no centro e que tinham mais poder aquisitivo, contratar táxis para levá-las à igreja, ao jardim para tirar fotografias, ou aos dois fotógrafos de Santo André, os profissionais. Esses táxis eram enfeitados com flores. Os carros eram todos, por dentro, cheios de flores, coisas que caíam, buquês. E minha mãe fazia essas flores. Então, eu, em função disso, na minha infância, eu conhecia pelo menos 40% dos motoristas de táxi de Santo André, principalmente os do ponto da estação.
Pergunta:
Então o senhor já morava em Santo André? O senhor veio com quantos anos?
Resposta:
Já morava em Santo André. Eu vim para Santo André em 1932, por causa da revolução. O que significa isso? Não é que eu fui convocado para aumentar as forças de Santo André. Meu pai era fotógrafo profissional, tirava fotografias 3x4, aquelas para documentos e ele estava com um foto na Avenida São João e, na revolução de 1932, ele estava no terraço com o lindo filho no colo, que era eu, e algum revolucionário deu um tiro e o tiro, talvez em meio a muitos tiros, ele acertou no terraço onde nós estávamos, pertinho de mim. Ele ficou tão assustado que resolveu sair de São Paulo. Assim nós viemos para Santo André.
Pergunta:
Por que Santo André?
Resposta:
Não sei explicar. Mas ele veio para Santo André e nós fomos morar, como ele tinha pouco dinheiro, porque fotografia profissional na época, a não ser quem tirasse foto mais artística, essas fotografias davam pouco dinheiro, então nós fomos morar em cima de um bar que tinha até pouco tempo em Santo André, que era o Bar Faísca, exatamente em frente à estação. Ainda existe do mesmo jeito o prédio. Nós moramos em cima do bar, eles alugavam um quarto para nós. E ali eu passei uns três ou quatro anos e depois fomos mudando.
Pergunta:
Quando o senhor já era maiorzinho e já lembrava das brincadeiras, das coisas que as crianças faziam, já foi em Santo André. O senhor se lembra de algumas brincadeiras da sua infância?
Resposta:
Ali era o centro. Era automóvel para lá e para cá, a mãe falando para tomar cuidado e as brincadeiras eram jogar bola na calçada, conversar com o motorista, jogar fubeca e fazer alguma malandragem, tocar a campainha e sair correndo. Lembro muito que eu andava numa bicicleta, um triciclo, que eu adorava. Aquele quarteirão que faz o começo da estação, depois o começo da Bernardino, General Glicério, etc., ali eu passava muitas horas do dia andando de triciclo. Uma vez eu fiquei com vergonha de andar no triciclo. Acho que eu percebi que já era hominho, devia ter um seis, sete anos, e minha mãe, me diziam as pessoas que eu era um menino muito bonito, mas eu era um menino muito bonito e meu apelido era Cielito lindo, que era uma música muito famosa na época, tocava no rádio toda hora. Era uma música espanhola ou argentina. Meu apelido era cielito. Tenho parentes que se você chegar e disser que estamos entrevistando o Acylino, eles não sabem quem é. É Cielito, transformado em Cilito, abrasileirado. E minha mãe, eu desconfio que ela me adorava. O que ela fez? Ela fez um enfeite para o meu triciclo, porque ela era florista, ela fez uma beleza de flor, uns arcos, para o carnaval. E eu saí naquilo, mas depois de um tempo, aí já começa a escola, alguns meninos já gozavam e eu ficava envergonhado de andar naquele triciclo, porque era cheio de fotografias, etc. Hoje teria saído na Livre Mercado com o meu triciclo, se fosse hoje. Eram essas brincadeiras, coisas bem simples.
Pergunta:
E aí o senhor foi para a escola?
Resposta:
Eu fui, eu comecei a fazer o Grupo Escolar da (Rua) Senador Fláquer. Fiz até o terceiro ano na (Rua) Senador Fláquer e aí, por razões que não conheço bem, não sei se foi, mas quero deixar registrado, acho que foi um pouco de relaxamento do pessoal de casa, eu perdi a matrícula no grupo da (Rua) Senador Fláquer, o Primeiro Grupo Escolar. Então eu precisei ir estudar, fazer a quarta série na Vila Príncipe de Gales.
Pergunta:
Era longe?
Resposta:
Você nem imagina. Como era difícil ir de ônibus sempre, porque era complicado, porque volta e meia era um candango que não andava; eu ia, com muita freqüência, da estação de Santo André até a Príncipe de Gales para fazer o quarto ano escolar no Grupo Escolar da Vila Prosperidade a pé.
Pergunta:
Quanto tempo levava?
Resposta:
Eu saía da frente da estação, passava onde é o Diário do Grande ABC, para você se localizar, subia tudo aquilo, passava por aquelas casas do conjunto do INSS, que a gente chamava de IAPI, fazia toda aquela descida e era naquele largo. Eu tenho a impressão que eu levava, porque também ia devagar, uns cinqüenta minutos, mas não tenho certeza. Como era longe e estudava de manhã, eu adquiri o bom hábito de levantar cedo, que tenho até hoje. Eu fazia isso, ia lá e voltava. Com freqüência eu voltava de ônibus, mas ia a pé. Fazia economia e ficava olhando a paisagem. Ia devagar. Eu levantava cedinho. Com onze anos, acho que a minha conversa vai longe.
Pergunta:
Por causa dessa mudança de grupo escolar, o senhor fez da primeira à quarta série lá ou o senhor perdeu o ano?
Resposta:
Não. Eu fui para lá no terceiro ano. Eu fiz o primeiro, segundo e terceiro anos aqui, e fiz o quarto ano lá. Eu tenho hoje, da turma que sobrou, que não deu baixa ainda, as pessoas idosas que estão perambulando pela cidade, eu tenho amigos do centro e da Príncipe de Gales. Às vezes eu vou à Príncipe de Gales e a pessoa, com 75 anos, 74, me cumprimenta: Você por aqui? E não sei o quê. Como você conhece uma pessoa dessa idade? Porque eu fiz o grupo escolar lá e cá. E mais ou menos nessa época eu comecei a trabalhar. Comecei a trabalhar com 11 anos numa atividade hoje inexistente e que na época, brincando, eu comecei a chamar de breque de charrete. O que era? Era uma experiência pela qual deve ter passado o dono das Casas Bahia e o dono de vários estabelecimentos antigos de Santo André, que eram os vendedores de bairro em bairro, pessoas que iam vender com as malinhas. Isso tem muito no interior ainda, as pessoas que vão vender panelas, e essas coisas. E havia aqui em Santo André. Meu padrinho de crisma era vendedor das máquinas Singer e eu ia tomar conta da Loja Singer um pouco e quando ele saía para fazer as vendas nos bairros e consertar as máquinas, eu ia com ele. Mas ele ia de charrete. O que acontecia? Nos bairros a chegada de uma charrete era uma festa e então precisava de um garoto para ficar tomando conta do cavalo. E a gente brincava chamando de breque de charrete. Eu era esse. Eu trabalhava na Loja Singer e por uma coincidência, já que estamos falando em memória, o Semasa publicou um livro há quatro anos aqui em Santo André sobre as águas, das enchentes, e a capa do livro tem uma foto da (Rua) General Glicério e por uma coincidência sai o lugar onde era a Loja Singer. Foi ali que comecei. Com 11 anos. Depois, com 14 anos, fui trabalhar na Companhia Liger Hud, no Bairro Casa Branca. Era uma fábrica de conexões, peças para encanamentos. E lá quando comecei fazia três serviços da maior importância: levava avisos, bilhetes, pedidos e fichas dentro da fábrica, de um lado para o outro. Era um sistema de comunicação antigo. E eu entregava cartas em São Paulo porque o correio era muito imperfeito, varrer o escritório e servir café. E no dia que fiz 14 eu arrumei emprego e foi engraçado porque eu, para fazer esse serviço tão simples, levei o meu diploma com todo orgulho. Fui com o diploma embaixo do braço para arrumar emprego.
Pergunta:
Diploma do ginásio?
Resposta:
Eu me confundo porque já mudou tanto o nome. Eu tinha 14 anos. De 7 a 11 eu fiz o grupo e depois eu fiz... Eu não fiz ginásio. Eu fiz o curso que se chamava básico.
Pergunta:
Esse curso básico era diferente?
Resposta:
Esse curso básico só dava direito a fazer depois o curso técnico de contabilidade. É o que hoje seria um guarda-livros, uma coisa para trabalhar. Meu pai lia muito jornal e política, mas ele era uma pessoa simples. O que ele idealizava para mim, que ele falava sempre, com pompa e circunstância, que queria que eu fosse chefe de seção na Rhodia, na Pirelli, não sei onde. Eu não fui chefe de seção e meu pai deve estar frustrado cada vez que ele baixa num centro espírita.
Pergunta:
O senhor foi professor. O senhor fez o curso de técnico de contabilidade?
Resposta:
Eu fiz o seguinte. É que fica muito longo. Como o curso que fiz era o comercial básico e depois seria o comercial, que seria hoje o colégio, e não dava direito ao científico, mas por influência de um primo, eu já tinha a vontade de estudar e fazer uma coisa diferente, e como eu não tinha direito de fazer o curso médio que seria o científico, eu fui fazer a madureza. Quando terminei o ginásio, que seria o básico, simultaneamente eu fui fazer o curso, o exame de madureza em Sorocaba, embora nunca tenha morado em Sorocaba. Eu sou formado pelo curso comercial básico do ginásio de Santo André e sou formado pela escola Júlio Prestes de Albuquerque, em Sorocaba.
Pergunta:
Por que Sorocaba e não São Paulo nem Santo André?
Resposta:
A gente ia fazer exame onde pintava a possibilidade de fazer, onde havia algumas pessoas que iam fazer e era mais fácil fazer o exame no interior. Em alguns lugares o exame era mais considerado, era um pouco mais rigoroso. Eu fui fazer nessa escola estadual de Sorocaba. Eu fui fazer porque uma outra pessoa, que não lembro o nome, que me dava bem, foi fazer lá. Não sei também porque ela foi fazer lá. Era uma senhora. Eu fui fazer lá. Fiz um preparatório para aperfeiçoar algumas coisas numa escola que tinha na Praça Embaixador Pedro de Toledo, com o Professor Oliveira, que era um professor muito conhecido na cidade. Fiz o curso lá e fui fazer o exame em Sorocaba. Isso me deu o direito de fazer o científico. Aí fiz, comecei a fazer em São Paulo, depois abriu o Américo e terminei aqui.
Pergunta:
Como era o Américo nessa época?
Resposta:
Era uma casa antiga, onde hoje é aquela pracinha do Correio. Era uma casa com poucas salas, pouca gente, alguns professores improvisados. Eu me lembro que tinha um professor de química que era farmacêutico e não sabia nada de química. Alguns professores eram interessantes. E tinha o Professor Amaral Wagner, que era o diretor.
Pergunta:
Fale sobre a sua experiência como professor. Quando começou?
Resposta:
Quando estava fazendo o curso comercial básico, na quarta série, eu tinha um professor que era muito malandrão. Esse professor era de matemática e ele percebeu que naquele meio, daquele pessoal simples, eu era bom em matemática. Ele começou a fazer com que eu corrigisse as provas dele. Ele dava as provas para eu corrigir. Eu corrigia as provas. Não dava nota, só certo e errado. Ele só olhava e dava a nota. Eu o ajudava. Era um negócio que não podia fazer, mas ele fazia. Os colegas não sabiam que quem corrigia as provas era eu, se não seria linchado. Eu fiquei, conheci um e outro, conheci o Professor Oliveira, já conhecia como aluno, e ele me convidou para dar aula de matemática no curso de madureza, onde eu tinha, pouco tempo antes, me preparado. Eu comecei com 17, 18 anos, a dar aulas no curso e foi assim que comecei a lecionar. Eu continuei porque eu tinha um aparentado em São Paulo, famoso, tinha livros publicados, na época era famoso, o Professor Carlos Caliogne. Eu ia muito a casa dele e eu tinha um ambiente muito pobre, muito limitado, e aquilo para mim, eu admirava muito. Era um cara que conhecia tudo aquilo de matemática e eu enveredei por esse caminho. Comecei a dar aula de matemática, particular. Enveredei pela matemática. Hoje não faria isso.
Pergunta:
Nesse mesmo tempo, o senhor começou com 17 anos, já quis seguir? Era bem novinho quando começou?
Resposta:
Foi mais ou menos por aí.
Pergunta:
Aí veio a sua juventude. Como era a juventude aqui? Ficavam em casa, tinha baile, cinema?
Resposta:
Quase respondo que não freqüentava, porque eu trabalhava, quando tinha 14 anos, eu ia a pé, do Bairro Jardim até o Bairro Casa Branca, perto daquele moinho que derrubaram. Eu ia a pé e saía cedo de casa e entrava às sete horas. Eu estudava de noite. Esses cursos que falei, da quinta a oitava séries, eu fazia tudo à noite e ia muito cedo para o trabalho. Saía de lá cinco (horas) e vinte (minutos), entrava na escola sete (horas) e meia e fazia todo aquele percurso e ficava um pouco cansado. Eu não saía muito não. E tinha o problema de dinheiro também. Eu brincava muito pelo Bairro Jardim, jogava um pouco de bola. Mas a minha distração cultural era ir ao cinema, no Carlos Gomes, no sábado à tarde. Era o que eu fazia. Mas eu era de poucos amigos, um negócio mais ou menos do quarteirão.
Pergunta:
O que costumava passar no Carlos Gomes?
Resposta:
Passava filmes de cowboy, de mocinhos com aquele chapelão branco, Tom Mix, mas lembro especialmente de uma série que passava. Era uma moça, mais ou menos Tarzan, era Mioka o nome dela. Mas eu ia ao cinema para ver as pernas dela, porque ela usava um shortinho muito bonito e curtinho e eu ia para olhar as pernas dela.
Pergunta:
Os seriados eram assim, passava uma parte do filme no sábado e continuava no outro sábado?
Resposta:
Sim. Era dez vezes. Era um filme grande que eles cortavam para passar.
Pergunta:
E se perdesse um sábado, fica sem entender o filme?
Resposta:
Conversava com os amigos. Mas posso lhe garantir que não perdia. Eu ia à sessão do amendoim. Eu não perdia. A gente comprava amendoim. Era uma coisa muito simples.
Pergunta:
O senhor ia aos bailes do Rhodia?
Resposta:
Eu não ia porque eu gostava muito de ler e numa época me deu acesso de prazer em estudar geometria e no meu horário de brincar eu ficava estudando geometria. Eu acho que isso foi uma coisa que me afastou muito. Pensei nisso agora, mas quem sabe daqui uns 100 anos, alguém vendo o registro, estude e levante uma tese. Mas talvez pudesse haver também uma influência de altura. Como meus colegas eram todos altinhos, se eu fosse a um baile as meninas não iam querer dançar comigo. Então, isso deve ter influído. Nunca pensei nisso, mas talvez tenha sentido. Como eu gosto muito, porque eu nasci no Bexiga, eu gosto de tomar um aperitivo, ficar lendo, refletindo e pensando e conversando em bar, eu vou refletir sobre isso. Talvez o Possidônio me diga para escrever também sobre isso.
Pergunta:
Fora geometria, o que mais o senhor gostava de ler?
Resposta:
Política. Eu gostava muito de política. Eu comecei a distribuir cédulas, porque antigamente eram cédulas, eu comecei a distribuir cédulas, portanto a ser cabo eleitoral, com 17 anos, porque eu ia aos comitês, pegava um monte de cédulas e distribuía nas ruas. Eu gostava disso. A partir daí sempre acompanhei as eleições e acho que desde 1947 eu não perdi nenhuma. Até hoje sou distribuidor de cédulas. Disso eu tenho orgulho.
Pergunta:
E como o senhor conheceu a sua esposa, como foi essa fase?
Resposta:
Nesse trabalho que fiz durante um tempo na Companhia Liger Hud, onde entrei com 14 anos. Eu consegui o emprego porque já tinha um razoável conhecimento, porque quando mudei de perto da estação eu fui morar perto da Igreja do Carmo, morei duas vezes lá, uma quando criança e depois quando cidadão de 20 e poucos anos, eu conheci a Iraci nessa empresa. Ela ia a pé também, eu ia junto, uma vez esbarrou a mão e aí eu acho que dei uma pegada nela e ela deve ter gostado. Gosta até hoje.
Pergunta:
O senhor lembra o ano do seu casamento?
Resposta:
Eu lembro. Foi em 18 de dezembro de 1954, com 24 anos. Eu era um noivo extremamente apaixonado. Quando eu namorava, eu lecionava na (Rua) Senador Fláquer. Eu tinha uma facilidade em fazer amizade, e eu lecionava, dava 4 aulas de matemática, então eu dava a primeira e a segunda aula e aí tinha o intervalo. Eu não dava a terceira aula e voltava para dar a quarta. Por que fazia assim? Juntando a terceira aula com o intervalo, aumentava o tempo de folga e dava tempo para eu ir até a casa dela, ficar um pouco e voltar. De modo que eu, se fosse depois da quarta aula, na época era um abuso, o pai dela me colocaria para fora, um português marrudo, porque a aula terminava às dez e vinte, e às dez e vinte, ao invés de ir para a casa dela, eu ia para o boteco, para uma pizzaria. Eu ia junto com um senhor que era inspetor de alunos no Américo Brasiliense, Colina. A gente comia um pedaço de pizza, um sanduíche de pernil, quando dava. Se não, ia lá conversar só. A gente fica na porta para ficar conversando e depois ia embora.
Pergunta:
Vamos caminhar para os anos 60. Aí o senhor já estava casado. Depois de casado, o senhor trabalhou muito como professor?
Resposta:
Sempre trabalhei como professor, mas eu não trabalhava no Estado, embora a maioria, eu não trabalhava no Estado, porque eu conseguia, através dessas pessoas de São Paulo, muitas aulas particulares e dava para ganhar mais. Eu dava muita aula particular em São Paulo, aqui também. Eu lecionei na (Rua) Senador Fláquer, que a gente chama de Mattei, e foi gostoso, porque outro dia inaugurou uma exposição sobre Waldemar Mattei aqui no museu e eu estava olhando a exposição e tinha um livro que ele fazia, era professor de caligrafia, então ele tinha prazer em fazer a ata da posse dos professores. Ele fazia uma ata toda bonita, com aquela caligrafia. E aí, talvez propositadamente, mas na exposição do Waldemar Mattei tem um livro de ata dos professores e a ata que está exposta é a da minha posse. Eu lecionava e sempre trabalhei com o magistério.
Pergunta:
Quando começou a sua vida política?
Resposta:
A minha vida política realmente começou quando eu distribuía panfletos, porque é muito importante na vida política a participação do distribuidor de panfletos. Hoje é o participante do partido, o indivíduo que milita, que sabe o nome do candidato em que ele vota, que vai de vez em quando no partido, que tem uma participação política. Não esse alinhamento de 80% das pessoas. Então, eu comecei ali e depois fui avançando. Como estou dando muitos pulos, estou com dificuldade de concatenar um pouco, mas eu comecei por aí. Depois eu também fiz política universitária. Nós tivemos em Santo André a Associação dos Universitários de Santo André, que foi importante. Se não me falha a memória, o Perazzo aparecia lá de vez em quando. A sua mãe, eu tenho certeza. Sua mãe é mais política do que seu pai, na participação e nas idéias. Mas eu participei muito da Associação dos Universitários, a AUSA. E na associação havia muita participação política. E nisso a gente já tinha 21, 22 anos. A minha participação política mais intensa foi na eleição de 1959. E nós, na associação, fizemos um grupo de amigos e resolvemos trabalhar para um candidato a Vereador. E houve no grupo uma briga interna porque eu fui um dos candidatos escolhidos e o outro candidato foi um dentista de Santo André, que depois se tornou dentista, José Gustavo de Paiva. Ele foi eleito por nós Vereador, pelo nosso grupo, e eu entrei junto com ele no PTB. Ele era muito meu amigo. Ele, eu e um outro dentista, Teófilo Gambin. Nós estávamos sempre juntos. Nós elegemos o Gustavo e ele se deu muito mal na política, não funcionou, não gostou. Ele se formou logo depois e a atividade política impedia a atividade profissional dele. Cada pessoa que ia tratar o dente tinha sido eleitor dele e queria tratar o dente de graça por ter votado nele. Para ele foi um drama. Foi uma tortura para o Gustavo o mandato. E ele tinha consultório na esquina da (Rua) Campos Sales com a Oliveira Lima e ele estava sempre mal humorado. Ele não conseguia trabalhar. Em seguida vou falar porque o Gustavo se torturava nessa mistura de odontologia com política. Ele tinha naquele prédio, que está ali na esquina da (Rua) Campos Sales com a Oliveira Lima, ele e o Osmar Javanina, que era marido da Tereca. Ela tinha consultório em frente. E o marido da Tereca foi assassinado no prédio, no escritório dele. E ficou uma bala na porta e o Gustavo via aquele buraco e ficava mais nervoso ainda. Ele acabou indo para São Paulo. Digo que dá para avaliar o que era a tortura do Gustavo no consultório da (Rua) Campos Sales porque ele foi para São Paulo. Em São Paulo ele ficou um dos dentistas mais qualificados muito rico por causa da odontologia, lecionou na USP e teve um tempo que ele atendia, não sei se num consultório dele ou de um amigo, ele atendia nos Estados Unidos. Imagina uma pessoa com essa potencialidade numa salinha da (Rua) Campos Sales, conversando com um eleitor bem simples que queria tratar o dente de graça porque tinha votado nele. Deve ter sido uma tortura real.
Pergunta:
Nos fale sobre o seu ingresso como Vereador e do seu esforço para a inauguração do Teatro Municipal.
Resposta:
Eu fui candidato a Vereador por causa do desencontro do Gustavo, porque senão o Gustavo teria continuado. Como eu tinha partilhado tanto com o Gustavo e ele não queria mais nem ouvir falar em Vereança, ele saiu, não quis mais ser candidato e eu, que tinha sido o outro escolhido, fui ser candidato no lugar dele. De modo que foi aí que me elegi, em 1963.
Pergunta:
Pelo PTB?
Resposta:
Sim. Eu me elegi Vereador e o Gustavo estava tão desencontrado da política, tão desgostoso, que ele me deu um dos grandes desgostos daquela época, porque ele não me ajudou em nada. Não que ele tivesse qualquer coisa comigo, mas porque ele não estava agüentando mais aquele negócio de pedir voto, de falar, de ir ao bairro prometer. Então, eu fiz uma campanha muito dura, muito difícil. Eu não tinha condução, tinha dificuldades, mas tive muito apoio. Eu cito os dois ou três como exemplo para mostrar essa solidariedade. Primeiro, nós tínhamos em Santo André, falecido há poucos anos, o Dr. Jéferson Gonzaga. Ele era como meu pai adotivo nessa parte. E foi ele que me pagou estudos, etc. Eu o homenageio sempre. Ele tinha muitos clientes nos bairros, havia o médico de residência, então ele, aos domingos, com o carro dele, ele me levava nas famílias dos clientes, para me arrumar votos. Ele me ajudou muito. Outro exemplo foi o Dr. Cabral Amazonas. O Dr. Amazonas, o pai dele é o nome da avenida perto da Prefeitura, era candidato na época, mas no domingo ele não fazia campanha. Ele dedicava o domingo à família. No domingo ele me emprestava o carro dele para fazer a campanha, mesmo ele sendo candidato, e me emprestava também o sobrinho dele, que era meu amigo íntimo, porque eu não sabia dirigir. Íamos os três: eu com o Rui, que foi secretário, orientador de tese da Unicamp, aposentou agora, e o Rui era o motorista da minha campanha, e junto com o Rui ia um amigo, que ia de vez em quando. A gente ia em um esquema de apoio amigo. Quando eu ia sozinho, para render a campanha, eu sou meio entendedor de campanha, eu ia para um bairro de manhã para render, com endereços de famílias para visitar e naquele bairro eu andava o dia inteiro. Sou um andarilho. Eu andava o dia inteiro pelo bairro. Almoçava por lá, às vezes na casa do eleitor, porque tinha fazer tudo a pé. Eu ia de ônibus de manhã e rendia bastante, porque eu levava endereços, fazia amizades, e assim consegui muita coisa. Na Vila Pinheirinho, de Santo André, eu tive muitos votos e não morava lá. Eu comecei a fazer a campanha lá, por sinal em um bar. Eu fui fazer uma visita e era um pessoal de time de futebol e era o clássico da época, time de bola pedia camisa. Eu fui apresentado na primeira vez ao pessoal da diretoria do clube e eu tinha idade, já era um senhor. Eu fui ao bar de um cidadão de nome Virgílio, barzinho de luz mortiça meio amarelado, e veio a diretoria do clube e me pediram camisa. Eu não podia dar, mas eu neguei, falei que eu não trabalhava daquele jeito, eu não dou camisa. E ali aconteceu que vários senhores trabalhadores que estavam conversando, jogando cartas, quando me viram negar as camisas, eles passaram a me apoiar. E então, me apoiando, eu consegui uma penetração muito grande naquele bairro, de modo que fiz uma campanha intensa lá. Nesse dia houve uma anedota política. Nesse dia que comecei a campanha no Pinheirinho tinha um cara num fogo danada e ele estava bebendo pinga perto de mim. Então, como ele estava bebendo pinga, os outros me ofereceram também, eu tomei meia dose e quando estava bebendo a pinga esse cara que estava de fogo olhou o pessoal me chamando de professor para lá e para cá, ele me falou: Você é professor mesmo ou é o apelido que “punharam” em você? Eu lembro até hoje da pergunta. Você é professor mesmo ou apelido? Eu me elegi, fui bem votado em Santo André e as pessoas apostaram, correram algumas apostas na Câmara, porque não esperavam que eu me elegesse, que eu fizesse uma campanha muito sumida. Mas eu me elegi muito bem, e gastando pouco.
Pergunta:
Fale sobre o Municipal, esse esforço que o senhor teve para a inauguração.
Resposta:
O Paço, o Centro Cívico começou a ser construído em 1966 e o Municipal estreou no dia 13 de abril de 1971, são 5 anos. Para essa coisa da estréia do Municipal, principalmente no período final, foram dois anos e meio de atividade. Você está me pedindo para resumir, mas não sei o que destaco.
Pergunta:
Qual foi a sua postura ativa nessa área?
Resposta:
Eu acompanhava o movimento cultural. Eu não participava ativamente, diretamente, não fazia nenhuma atividade, mas acompanhava. Tinha os amigos e tinha a consciência da coisa. E o Zampol resolveu incluir o chamado Centro Cultural ali no Centro Cívico. A idéia inicial era a Câmara, o Fórum e o Executivo. Deve-se ao Zampol a construção. O Prefeito Zampol começou aquilo e ficou aquela expectativa de o teatro ficar pronto. A gente conversava muito. Em 1971 eu fui eleito Vereador pela segunda vez e como eu era a pessoa..., dos Vereadores, alguns tinham pouca atenção para o movimento cultural, essas coisas, eu era o que tinha mais contato com as pessoas. Aconteceu que aquela expectativa do pessoal, do GTC, aquela turma toda que participava, aquela expectativa que se dirigia ao Poder Público Municipal porque o Teatro era uma construção do Poder Municipal, na Câmara iam se dirigir, conversar com quem? Todos se dirigiam a mim e acabei me envolvendo cada vez mais, de modo que a gente teve uma participação grande quando o teatro estava praticamente pronto, não na construção do teatro, mas na instalação de tudo aquilo que faz com que a construção seja um teatro. Eu comecei e achei, na Câmara, na época e também além da época, não é fácil você produzir. Eu estava meio desiludido, apesar de ter sido candidato e eleito, por tudo que tinha acontecido antes, em 1964, e eu tinha sido eleito sem os amigos de então, que não foram mais candidatos, estava meio isolado, acabei me dedicando muito a isso, para fazer alguma coisa, ser útil. Eu trabalhei muito para que aqueles procedimentos burocráticos fossem superados, para agilizar. Eu acabei inclusive fazendo, sou meio malandrinho na política, eu sei mexer. Se eu tiver de ligar para o Roberto Jefferson, eu sei. Eu manobrei para que fosse eleito o Secretário, estou falando, mas não sei se deveria falar, mas eu manobrei para que fosse eleito como Secretário de Cultura um amigo, manobrei, insisti com o Prefeito, justifiquei, fiz um trabalho de base muito bom, então foi escolhido como Secretário o Professor José Lazzarini Júnior, que era o diretor e mantenedor do Colégio Santo André, que hoje se chama IESA. O nome IESA fui eu que coordenei a criação do nome. O Prefeito Brandão escolheu o Lazzarini e eu, que era a base política do Secretário escolhido, eu conversei com ele e falei que ele ia fazer uma coisa que ia ser boa para ele também. Nada de incorreto da parte dele ou da minha. Você vai, embora eu não seja do Executivo, você vai me designar para eu ficar encarregado de acompanhar a instalação do teatro. Aí eu comecei a mexer, como era Vereador, eu tinha um certo poder de penetração na Prefeitura. Eu comecei a incomodar todo mundo, mexer em processo, brigar. Inclusive no Setor de Obras da Prefeitura eu fui delicadamente posto para fora uma vez, porque eu enchia muito a paciência deles. Depois esse engenheiro, que era o Secretário, nós fizemos as pazes e ele me deu duas abotoaduras de presente, que guardo até hoje. Então, eu tive uma importância grande nisso, mas não porque eu fiz algo especial, mas por causa da minha posição de Vereador, e que estava com um Secretário de Cultura que era muito ligado a mim e com autorização dele para andar pela Prefeitura, como se eu fosse um funcionário. E mais ainda a minha penetração com o José Armando, com a Inajar, com o Petrin, com a Sônia. E eu tinha uma certa força, eu representava, mesmo sem ser do grupo, sem nenhuma formalidade, eu representava o grupo e brigava. Eu trabalhei muito pelo teatro.
Pergunta:
E foi o GTC que inaugurou o teatro?
Resposta:
O GTC era, na verdade era o grupo, com pessoas muito sérias e dedicadas. Acho que independente do valor artístico, tem de ser registrada a participação do pessoal do GTC na consciência de comunidade, de cidade, uma coisa urbana deles. Eles eram da cidade e eles queriam muito a inauguração daquilo. A gente fazia reuniões, que eram feitas na casa do Zé Armando, aqui no Bairro Jardim. Durante muito tempo o Zé Armando Pereira da Silva era a pessoa que congregava as pessoas ligadas a isso. Mais que ele, a ex-mulher dele, a Inajar. Ela era uma líder. Ela levava gente da revolução no porta-malas do carro, inclusive do meu carro.
Pergunta:
Infelizmente, a fita está acabando, mas a história não. Não chegamos nem na metade. Vou pedir para o senhor fazer um fechamento rápido. A gente pede para a pessoa deixar uma mensagem, mas a gente não vai fechar porque em outra oportunidade a gente vai continuar.
Resposta:
Eu fiquei um pouco triste. Achei que ia contar tanta coisa e contei tão pouco. Eu quero agradecer. Eu percebi, conversando, disse que não ligo muito para essa coisa da minha história, mas percebi agora quanta coisa eu não falei. E acho que vou atender o pedido do meu amigo Possidônio, que insiste comigo, que eu escreva, registre as coisas para alguém escrever esses episódios. Mas eu não vejo nenhuma grandeza nisso. Eu agradeço ter podido falar algumas coisas e fico às ordens para falar outras. Eu agora, quando você disse que terminou, eu não gostei. Eu fico no aguardo. Muito obrigado.